A Constituição de 1988 lançou as bases para a criação de uma educação indígena diferenciada, atendendo às especificidades dos povos indígenas. Na prática, entretanto, os direitos garantidos por lei ainda não se fizeram valer. Essa é uma das principais reflexões da socióloga Rosiane Ferreira Gonçalves na dissertação de mestrado "Entre o discurso oficial e práticas efetivas: a educação escolar dos Tembé-Tenetehara no Alto Rio Gurupi/PA".
Apesar de o trabalho enfocar os Tembé-Tenetehara do Alto Rio Gurupi, muitas das conclusões podem ser estendidas para outros grupos indígenas do Pará, já que suas reivindicações são parecidas. Um dos reflexos mais importantes da falta de atenção às necessidades educacionais indígenas está nos altos índices de abandono, que mostram a falta de adequação da rotina escolar à realidade vivenciada no dia-a-dia das aldeias.
Rosiane Gonçalves teve um primeiro contato com o tema ao fazer especialização na área de educação. Resolveu continuar essa trajetória através da pesquisa com os Tembé. E vários motivos influenciaram nessa escolha. "Primeiramente, eu tive contato com uma socióloga que fez um estudo interessante com eles. Depois, havia uma questão pratica, que é a proximidade. Por último, eu sabia que os Tembé localizados ao sul da Reserva Indígena Alto Rio Guamá (Riarg) ainda guardavam muitas características da sua cultura, como algumas festas e as pinturas corporais", explica.
Para realizar a pesquisa, a socióloga passou, inicialmente, uma semana na área indígena. Precisou, inclusive, fazer um acordo que beneficiasse ambos os envolvidos. Ela só recebeu autorização para fazer sua pesquisa de campo depois de se comprometer a ajudar o grupo a escrever uma proposta de educação indígena específica e diferenciada, de acordo com seus anseios. Graças ao acerto, Rosiane continua em contato com eles, mesmo com a dissertação concluída. Ela também ajudou na elaboração de um projeto de capacitação na língua indígena.
"Queria responder na minha pesquisa como está sendo trabalhada a educação escolar indígena face ao novo projeto oficial, que prega que ela deve ser específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe, desde a Constituição de 1988, que é quando se reconhece a diversidade indígena. Antes disso, as políticas eram voltadas à assimilação do índio, pois se achava que eles estavam fadados a desaparecer. Então, a partir de 1988, temos uma série de decretos, leis que vêm regulamentar esse direito. Eu queria ver se isso acontecia na prática com os Tembé", explica a pesquisadora.
As respostas encontradas na pesquisa mostram que muitos obstáculos precisam ser vencidos para que se concretize o que já está previsto na lei. O maior problema encontrado pela pesquisadora é a semelhança entre as escolas indígenas e as escolas tradicionais. "Eles dão importância para a educação, acham que isso vai contribuir para a manutenção deles enquanto etnia distinta, usam a educação para valer seus direitos e isso é muito importante, mas a escola deles, apesar de todas essas prerrogativas da lei, ainda funciona como a dos brancos", observa.
Um exemplo dessa situação está no calendário escolar. O ideal é que ele esteja de acordo com a vida indígena, obedecendo aos dias de festas, rituais e que siga o calendário econômico-ecológico deles. No caso do grupo estudado, a pesquisadora constatou que há uma transposição do calendário das escolas do município de Paragominas, que gerencia a educação indígena dos Tembé localizados ao sul do rio Gurupi.
Em 2003, 285 alunos foram matriculados na área, que conta com três escolas que oferecem ensino de primeira a quarta série. Duas escolas são conhecidas pelos nomes das suas respectivas aldeias. Elas são a Canindé e a Tekohow. Já a escola Tembé está localizada na aldeia do Cajueiro. Nas três escolas a pesquisadora fez observações e entrevistas, mas para a realização do estudo etnográfico foi priorizada a aldeia Cajueiro. No estudo etnográfico é feita uma descrição mais detalhada de tudo o que é observado pelo pesquisador.
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